“Como agregar valor para os produtos agropecuários brasileiros” foi o tema da segunda sessão do “Visão 360° no Mundo dos Alimentos – Convivendo com a Controvérsia”, sob três perspectivas: a produção primária no campo, o marketing e a gestão.
Esta sessão contou com a participação da Manuela Maluf Santos (mestre em ecologia aplicada e graduada em administração de empresas), do Filipe Sampaio Rodrigues (professor universitário especialista em marketing) e do Celso Vegro (engenheiro agrônomo especialista em sistemas agrários).
A mediação do evento foi pela Dra Juliana Grazini (Diretora da Verakis), pela Professora Dra Thais Vieira (coordenadora do grupo ESALQ Food) e pelas graduandas em ciências dos alimentos na ESALQ: Isabella Brites e Letícia Mantovan.
Do ponto de vista da gestão apresentado pela Manuela, utilizando como foco a agricultura familiar, agregar valor é encontrar maneiras de adaptar ferramentas de gestão para que se tornem mais acessíveis aos produtores. Com um maior conhecimento sobre como dar andamento ao seu negócio, não há a necessidade de intermediadores para que possam ter contato com o consumidor final, resultando em um lucro absoluto aos agricultores. Além disso, com a instrução de como administrar, os agricultores criam consciência sobre suas principais habilidades e especialidades, entregando um produto com maior qualidade.
Na perspectiva de marketing, apresentado por Filipe, a ideia é de que os alimentos não devem ser comercializados apenas como produtos, mas sim como sinônimos de experiências. Antigamente o valor encontrado nos alimentos estava em seus nutrientes, hoje está na sensação que proporciona ao consumidor, aumentando o consumo de determinados produtos. Desta forma, agregar valor para o marketing é vender o sentimento proporcionado pelo alimento.
Por fim, de acordo com o Celso, que dispôs sobre a produção primária, o significado se deu em encurtar a cadeia de agregação de valor. Os sistemas agroalimentares foram se tornando mais completos, onde a ponta do processo representada pelo atacado e varejo representa uma captura da parte mais expressiva de agregação de valor. Por isso, mesmo que seja um processo difícil de reestruturar, para que o produto possa ser valorizado é necessário buscar um reequilíbrio na formação de valor ao longo da cadeia.
À Manuela, foi perguntado como é possível equilibrar as questões de investimento e preço final, com as dificuldades de percepção de valor do consumidor final. A observação dela foi que as situações conflitantes encontradas estão dos dois lados, onde o produtor faz a gestão do seu negócio de maneira intuitiva já que muitas vezes não possui formação básica e o consumidor não busca entender a cadeia produtiva até que o alimento chegue nos mercados. Desta forma, para equilibrar as questões de investimento deve haver a promoção de conhecimento ao produtor primário para que assim ele consiga visualizar qual o próximo passo a ser feito no seu negócio e há a necessidade também que o consumidor final realize uma pesquisa mais aprofundada sobre como e quem produziu os alimentos comercializados, resultando em uma maior valorização do produto.
Ao Filipe, foi sobre o que é importante identificar, analisar, estudar e colocar em prática para agregar valor de forma que os produtos sejam reconhecidos pelos consumidores. Ele apresentou que uma possibilidade seria primeiramente estudar e entender as tendências que giram em torno do consumidor para depois trabalhar de forma encadeada para conseguir o melhor produto e preço dentro dos padrões estabelecidos. Quando os produtores forem capazes de voltar a trabalhar com a autenticidade e a valorização de tudo que faz parte da cadeia de valor como saúde, bem-estar e convívio, voltaremos assim a ter um mercado mais justo e consequentemente com maior valor, já que não serão vendidos produtos e sim experiências.
Foi perguntado ao Celso quais são as maiores dificuldades para agregar valor aos produtos primários, de acordo com a produção, produtor e produto. O primeiro ponto trivial citado foi o avanço da verticalização, devido à dificuldade de acesso ao crédito e a assessorias. Outro gargalo muito importante é a dificuldade de padronização dos produtos entre uma safra e outra, entre um lote e outro. Entretanto, essa falta de padrão gera recusa por parte do consumidor e consequentemente, custo para o produtor. Além disso, outro ponto decisivo é a continuidade no fornecimento do produto, visto que só assim é possível manter a cadeia funcionando. EAgregar valor é um trabalho muito complexo e deve ser tratado de maneira coletiva, entre as cooperativas e associações, não apenas com os produtores individuais.
Os debatedores também foram questionados sobre o pagamento por qualidade, como já acontece no Brasil há tempos na cadeia produtiva do leite. Filipe e Celso apresentaram seus diferentes pontos de vista, frente à realidade na Europa e no Brasil. De forma geral, a Europa apresenta estruturas melhores que o Brasil, o que possibilita à agricultura familiar uma sustentação e apoio mais eficientes. No que diz respeito ao Brasil, Celso apresentou que o pagamento por qualidade ainda é uma grande barreira que deve ser vencida. Uma maneira de trabalhar contornando esse desafio é através de estruturas de recebimento, em que é feita uma troca. O comprador dá dinheiro ao produtor, para que ele garanta parte da produção, e pague posteriormente com o produto. Dessa forma, essa estrutura funciona como um financiamento da produção! De forma geral, o reconhecimento de qualidade vem com o avanço do padrão civilizatório.
Para encerrar, cada debatedor deu seu ponto de vista sobre os desafios trazidos pela Covid-19. Manuela comentou que a fome voltou a se instaurar em muitos lares brasileiros, sendo essencial o desenvolvimento de planos para a garantia da Segurança Alimentar e Nutricional, sem retroceder na qualidade da alimentação. E que é fundamental que as pessoas tenham renda para ter acesso aos alimentos. Filipe deixou como mensagem final, que o Brasil deve olhar além da própria realidade para se inspirar no que outros países fazem que dá certo, citando como exemplo a própria Europa e o Chile. Celso, para concluir, disse que o Brasil enfrenta uma pandemia e diversas outras epidemias. Essa situação é somada ao crescente consumo de alimentos nutricionalmente pobres, que não proporcionam o devido fortalecimento do sistema imunológico. Ele disse que não tem perspectivas positivas quanto ao nosso futuro.