
Não tenho nada contra meditação, filosofias orientais, terapias complementares ou estilos de vida alternativos. O problema não é a prática em si, mas o modo como tudo isso foi transformado em produto e conteúdo descartável nas redes sociais.
Se em 2017 já nos queixávamos da superficialidade das matérias sobre “alimentação e bem‑estar”, em 2025 convivemos com um bombardeio diário de tendências virais do tipo #cleaneating, #detox, #plantbasedchallenge, sucos anti‑inflamatórios milagrosos, kombucha curativa e influencers que alternam “dicas de saúde” com lives de shoppings e merchandising de produtos milagrosos.
A mídia e as redes sociais transformaram o comer e o bem‑estar numa disputa de cliques, curtidas e vendas. É raro passar um dia sem ver alguém no TikTok ou no Instagram proclamando que “comer assim vai curar sua ansiedade”, “esse suplemento vai detoxificar o seu fígado” ou “esta dieta de 7 dias resolve inflamação crônica” — geralmente com referências científicas fracas, ausência de contexto e zero consideração pelas particularidades biológicas de cada pessoa.
O que era prática cultural ou filosofia de vida virou produto de marketing, com gurus autodenominados, cursos online caríssimos e recomendações de “plans” que mudam a cada estação.
E aqui vem a parte que me irrita: essa avalanche de conteúdo muitas vezes se disfarça de conhecimento legítimo graças ao brilho da tela. Basta um influencer aparecer com jaleco branco ou mencionar “estudos mostram” para que um bando de likes e comentários acredite que aquilo é verdade.
Enquanto isso, vemos jornalistas se aventurando em temas complexos de nutrição e saúde depois de cursos rápidos de 3 meses, coaches que se intitulam “especialistas em alimentação holística” e pseudo‑profissionais que parecem mais interessados em vender o lifestyle do que em compreender ciência.
A meritocracia midiática se consolidou: nem sempre o título de “especialista” vem acompanhado de formação sólida, revisão crítica ou compromisso com o método científico. Doutorado não garante sabedoria prática; mestrado não habilita ninguém a praticar medicina ou nutrição sem formação específica.
E, paradoxalmente, muitos que criticam “diplomas insuficientes” se agarram a gurus de internet sem nenhum critério científico. A cultura do “eu li no livro X / vi no vídeo Y” substituiu o pensamento crítico pela autoridade do algoritmo.
O resultado? Uma utopia alimentar moderna onde modas de internet ditam hábitos, soluções rápidas prometem curas instantâneas, e o público — muitas vezes bem‑intencionado — é transformado em consumidor permanente de tendências. Enquanto isso, os problemas reais continuam: obesidade que não se resolve com suco verde, insegurança alimentar que não se transforma em hashtag, desigualdades nutricionais que não desaparecem com promessa de smoothie antioxidante.
O que é pior: não ter nada, ou ter tudo isso na mão de pseudo‑especialistas sem responsabilidade? Eu diria que é uma armadilha perigosa. Melhor teria sido investir em educação básica sólida — onde se aprende a ler, interpretar, questionar e pensar criticamente — do que simplesmente multiplicar diplomas universitários e influencers que repetem “dicas” que muitos não conseguem nem verificar.
No fim das contas, boa parte do que passa por “informação de qualidade” hoje é apenas mercadoria reforçada pelo marketing digital. E essa utopia alimentar 2.0 — feita de slogans bonitos e soluções instantâneas — não nos leva adiante; ela nos afasta da compreensão real de comida, ciência e saúde.
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