
O Pingo Doce é uma das maiores redes de supermercados de Portugal, presente em praticamente todo o país, conhecida não apenas por vender alimentos, mas também por desenvolver programas de responsabilidade social.
Um desses programas é o Bairro Feliz, que colocou 934 projetos comunitários em votação — de norte a sul do país — permitindo que os cidadãos, a cada compra, recebam uma “moeda” para decidir quais causas merecem apoio. (grandeconsumo.com)
É louvável ver tanta mobilização: desde escolas, espaços culturais, projetos sociais até iniciativas ambientais, são ideias que visam tornar bairros “mais felizes”, com pequeno apoio financeiro (até 1 000 euros por loja) para concretizar as causas vencedoras.
Mas vale a reflexão: se tantas necessidades básicas e comunitárias dependem hoje desse tipo de iniciativa — voluntária, privada e pontual —, onde está o papel do Estado?
Quando a responsabilidade de garantir bem‑estar social ou infraestruturas cai nas mãos de uma rede de supermercados, estamos celebrando a generosidade do setor privado... ou denunciando a falência do Estado em garantir direitos mínimos e coesão social?
Programas como o Bairro Feliz não são em si maus — pelo contrário: geram engajamento, fortalecem laços comunitários e dão visibilidade a causas locais. Mas devem servir como complemento eventual, não como substitutos da ação pública.
Se dependermos sistematicamente de decisões de compra para decidir o que “vale” ser apoiado, corremos o risco de transformar direitos sociais em mercadoria, sujeitos à lógica de consumo.
Por isso, fica o alerta: apoiar essas iniciativas é importante — mas precisamos exigir também que governos assumam seu papel de garantidores de justiça social, acesso a serviços e equidade territorial.
Do contrário, estaremos celebrando pequenos consertos, quando o que falta é uma reforma estrutural real e comprometida.
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