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2025

Entre dados e dogmas: a crise do saber alimentar

Nunca estivemos tão conectados à comida e tão desligados da realidade. Informação, propaganda e opinião se misturam e viralizam como verdades absolutas. Sem espírito crítico, aprendemos menos sobre o que comemos e mais sobre o que achamos que sabemos.

Nunca falamos tanto sobre comida — e nunca compreendemos tão pouco. As plataformas digitais transformaram alimentação em um campo de batalha onde informação, opinião, propaganda e militância se misturam até se tornarem indistinguíveis. Rousseau já dizia, no século XVIII, que o intelecto humano estava em decadência. Se ele tivesse Instagram e TikTok, provavelmente escreveria duas versões do mesmo alerta.

Vivemos o que Gérald Bronner chama de apocalipse cognitivo: um mercado da informação decadente, onde atenção vale mais que precisão, emoção vale mais que evidência e viralização vale mais que verdade. Não é um problema de falta de dados; é uma overdose deles, sem filtros, sem mediação e sem educação para interpretá-los.

As plataformas se multiplicam como microrganismos:

  • Comerciais: querem vender — ponto. Marketplaces, aplicativos de entrega, promoções travestidas de “recomendações”.
  • Publicitárias: marcas falando de si mesmas como se fossem referências neutras.
  • Do consumidor militante: ativismos que transformam alimentos em batalhas morais.
  • Informativas (governos, instituições, cientistas): corretas, mas inaudíveis — ninguém lê PDFs de 60 páginas.
  • De “ciência para o povo”: Yuka, Open Food Facts, ScanUp… ferramentas que prometem verdade objetiva, mas entregam algoritmos com preferências próprias.
  • Profissionais: LinkedIn, onde cada nutricionista vira guru e cada empresa vira salvadora da saúde planetária.

O problema central? Legitimidade.
Não sabemos mais quem fala com base em ciência, quem fala com base em interesse e quem fala porque simplesmente pode falar. A população — e até jovens pesquisadores — não têm preparo para navegar nesse oceano de ruídos. Resultado: mitos se cristalizam mais rápido que fatos (hormônios no frango, alguém?).

Informação, sozinha, não cria espírito crítico. Jogar dados no colo das pessoas não as torna mais sábias — apenas mais perdidas. Sem discernimento, sem mediação educativa e sem confiança nas instituições, a sociedade transforma conteúdosem crenças.

A alimentação, que deveria ser campo de conhecimento, virou campo de opinião. E, nessa guerra barulhenta, vence quem grita mais alto — não quem sabe mais.

Imagem : Freepik