
Nunca falamos tanto sobre comida — e nunca compreendemos tão pouco. As plataformas digitais transformaram alimentação em um campo de batalha onde informação, opinião, propaganda e militância se misturam até se tornarem indistinguíveis. Rousseau já dizia, no século XVIII, que o intelecto humano estava em decadência. Se ele tivesse Instagram e TikTok, provavelmente escreveria duas versões do mesmo alerta.
Vivemos o que Gérald Bronner chama de apocalipse cognitivo: um mercado da informação decadente, onde atenção vale mais que precisão, emoção vale mais que evidência e viralização vale mais que verdade. Não é um problema de falta de dados; é uma overdose deles, sem filtros, sem mediação e sem educação para interpretá-los.
As plataformas se multiplicam como microrganismos:
- Comerciais: querem vender — ponto. Marketplaces, aplicativos de entrega, promoções travestidas de “recomendações”.
- Publicitárias: marcas falando de si mesmas como se fossem referências neutras.
- Do consumidor militante: ativismos que transformam alimentos em batalhas morais.
- Informativas (governos, instituições, cientistas): corretas, mas inaudíveis — ninguém lê PDFs de 60 páginas.
- De “ciência para o povo”: Yuka, Open Food Facts, ScanUp… ferramentas que prometem verdade objetiva, mas entregam algoritmos com preferências próprias.
- Profissionais: LinkedIn, onde cada nutricionista vira guru e cada empresa vira salvadora da saúde planetária.
O problema central? Legitimidade.
Não sabemos mais quem fala com base em ciência, quem fala com base em interesse e quem fala porque simplesmente pode falar. A população — e até jovens pesquisadores — não têm preparo para navegar nesse oceano de ruídos. Resultado: mitos se cristalizam mais rápido que fatos (hormônios no frango, alguém?).
Informação, sozinha, não cria espírito crítico. Jogar dados no colo das pessoas não as torna mais sábias — apenas mais perdidas. Sem discernimento, sem mediação educativa e sem confiança nas instituições, a sociedade transforma conteúdosem crenças.
A alimentação, que deveria ser campo de conhecimento, virou campo de opinião. E, nessa guerra barulhenta, vence quem grita mais alto — não quem sabe mais.
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