
Durante um ano letivo inteiro, o professor de francês Benjamin Rondeau fotografou meticulosamente cada uma das 64 bandejas que lhe foram servidas no refeitório de um colégio em Seine-Saint-Denis, na região de Paris. O resultado desse gesto simples, mas obstinado, é o livro Self-service, editado pela Éditions du Motel.
À primeira vista, trata-se apenas de registros banais: um prato, uma sobremesa, um pedaço de pão, um copo de água. Mas, como toda boa observação do cotidiano, essas imagens deslizam rapidamente para algo maior — uma espécie de abecedário sensível das memórias de cantina.
Ali estão elementos que qualquer ex-estudante poderá reconhecer: o número gravado no fundo dos copos Duralex, a porção de queijo industrializada, o ritual de Natal, o inevitável peixe das sextas-feiras. Mais que refeições, trata-se de pequenos marcadores culturais, ritos silenciosos compartilhados por gerações inteiras de adolescentes.
O projeto de Rondeau oscila entre ensaio e autobiografia visual. Ele transforma o trivial em documento, o detalhe banal em arquivo coletivo. Há, ao mesmo tempo, algo universal e profundamente localizado: todos conhecem a experiência de comer em uma cantina, mas cada elemento desse microcosmo fala também de uma França específica, de um sistema educacional, de uma sociabilidade própria.
Em tempos em que a comida está sempre associada ao prazer gourmet, ao espetáculo televisivo ou ao consumo “instagramável”, Self-service aponta em outra direção: lembra-nos que comer é, sobretudo, uma experiência de repetição, de norma, de partilha obrigatória. É memória materializada no prato de metal ou na sobremesa de copinho de plástico.
Talvez a força dessa obra esteja justamente em sua ambiguidade: entre a nostalgia e o incômodo, entre o patrimônio cultural e a experiência quase industrial. Um livro que, como uma madeleine de cantina escolar, nos devolve ao passado com um sabor familiar — às vezes doce, às vezes insosso, quase sempre inesquecível.
Imagem: Self-service de Benjamin Rondeau - Ed. Motel