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05
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2025

O fantástico mundo sem alimentos industrializados

Imaginem um mundo sem alimentos processados…

... todos comendo o que há de mais perfeito nos livros da “fake” dietética: alimentação equilibrada, orgânica, sem conservantes, sem corantes... alimentos frescos, sem caixinhas e rótulos cheios de informações complexas.

Algo do tipo:

- Café da manhã - 6h00
Leite fresco (cru mas tudo bem correr o risco de estar contaminado por quantidade de bactérias patogênicas)
Inhame com mel (crus para não ter processo nenhum, mas pode retirar a casca apesar de ser um processo)
Goiaba (recém colhida da pomar da sacada)
- Colação - 9h30
Castanha de caju (torradas no forno do carro, mas cuidado porque a torrefação é um processo!)
- Almoço - 13h00
Salada de alface e tomate temperada com suco de limão (recém colhidos da horta do terraço da prédio do escritório)
Omelete (ovo caipira das galinhas criadas no páteo do prédio do escritório)
Batata cozida (na água de recolhimento da chuva sem poluição)
Jabuticaba (das árvores da rua do escritório)
Água da torneira (direto da fonte)
- Lanche - 16h30
Infusão de camomila (da horta de casa, seca ao sol)
Batata doce (também da horta do terraço)
- Jantar - 20h30
Peito de frango (recém abatido, pelo zelador do prédio, de preferência cru para não ser submetido a processo nenhum)
Salada de cenoura, beterraba, escarola, cebola, salsinha (todos recém colhidos da hortinha da sacada)

ATENÇÃO ESTE CARDÁPIO NÃO DEVE SER LEVADO À SÉRIO, É UMA ELUCUBRAÇÃO FANTÁSTICA DAS AUTORAS.

Hum!!!

Ignorando as papilas gustativas e o prazer diário que pode nos conferir a alimentação e os momentos de pausa para: comer, se alimentar e se nutrir: Onde viveria a vaca para o leite recém tirado? A sacada do prédio seria suficientemente grande para crescer a goiabeira? A horta do terraço do prédio do escritório poderia ser grande o suficiente para que todos os funcionários pudessem colher também? Teríamos menos calçadas e carros nas ruas para ter jabuticabeira suficiente para todos? Como faríamos para armazenar o alecrim, salsinha e todas as ervinhas, frutas, ovos e outros que não damos conta de comer no ritmo de produção das plantas e dos animais?  O  planeta poderia produzir tudo isso?  Seria possível conservar  todo o excedente de alimentos? E será que todo mundo poderia pagar por isso?

Atualmente, de todo alimento produzido no mundo, mesmo com a industrialização, 1/3 ainda é descartado; nesse mesmo planeta, onde  muitas pessoas ainda passam fome.

Você já comparou, por exemplo, o preço dos alimentos congelados com os  frescos? Como pode um produto que passou por um processo de congelamento, ganhou uma embalagem, foi transportado e precisa ser mantido em temperaturas baixíssimas (congeladores), serem mais baratos que as suas versões frescas?  Aqui é que entra o mistério e o milagre da industrialização = melhor aproveitamento e escala de produção.

A “indústria” consegue gerar escala, ou seja, ela produz grandes volumes, com maior eficiência, melhorando o rendimento e diminuindo  os custos. “Ela” também consegue aumentar o tempo de validade dos alimentos (e isso não é somente com o uso de conservantes!) e distribuir em longas distâncias (fazer com que alimentos cheguem seguros até lugares inóspitos). Já na cadeia de alimentos frescos existe uma perda muito alta até chegar aos supermercados. Perdas estas que os produtores e distribuidores precisam embutir no preço dos produtos que estão na prateleira.

O processamento de alimentos sempre acompanhou o desenvolvimento da humanidade, justificado pela necessidade de conservação nos períodos de escassez. Muitos dos alimentos consumimos já eram processados pelos nossos ancestrais: pão, cerveja, vinho, macarrão, chocolate, azeites, frutas secas, queijos e vegetais em conservas. Desenvolvidos empiricamente há mais de 4000 anos antes de Cristo, nossos antepassados não utilizavam os famosos conservantes, corantes e aromatizantes de síntese.

Tudo isso pra dizer que produtos industrializados são aliados da nossa alimentação! Não estamos dizendo que os frescos não são bons, pelo contrário: grande parte do que comemos ainda vem de alimentos não processados. No entanto, devemos ter consciência de que precisamos de alimentos produzidos e distribuídos por processos industriais. Do contrário, teríamos muito mais alimentos contaminados, descartados e com altos preços.

Luciana Monteiro - Engenheira de Alimentos (Campinas, 12 de março de 2018)

Juliana Grazini dos Santos - Nutricionista, Doutora em Informação e Comunicação. (Paris, 12 de março de 2018)